quinta-feira, 21 de outubro de 2004

A oração

A oração, como diz Santa Terezinha é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria, é uma volta ao criador, é a elevação da a alma a Deus, por meio do seu próprio Espírito que foi soprado em nossas narinas por ocasião da criação e que clama hoje em nós Abba, Pai!(Gl 4,6). Orar, então, é atender a esse clamor do Espírito. É também, comunhão e aliança com Deus. É o desejo de estar com ele, de ser abençoado e santificado, santificando assim o seu nome em nossas ações. É, enfim uma poderosa arma para a batalha que travamos contra as forças espirituais do mal(Ef 6,12). Da oração saímos fortalecidos. É nela que o Senhor adestra nossas mãos para o combate e os braços para o tiro de arco (Sl 17,35).
Por isso a oração torna-se uma necessidade vital sem a qual não poderemos ser guiados pelo Espírito, sucumbindo ao pecado. Santo Afonso de Ligório afirmava categoricamente que quem reza certamente se salva, quem não reza certamente se condena.
A nossa maior prova dessa necessidade da oração é o próprio Cristo, que tinha nela a fonte de sua atividade quotidiana. Ele não apenas exortava os seus discípulos a orar, mas, ele mesmo o fazia. Nos evangelhos o vemos inúmeras vezes se dirigir ao Pai, seja na companhia dos discípulos, seja na solidão.
É na oração de Jesus que temos uma das grandes novidades do Evangelho, que apenas o Filho de Deus pôde trazer: a revelação de um Deus que é Pai. E não apenas seu Pai mas Pai Nosso! Em Jesus, o Deus altíssimo do antigo testamento é também próximo, Emanuel: Deus Conosco.
Nessa relação filial podemos aproximar-nos confiantemente do trono da graça para alcançar misericórdia, graça e auxílio oportuno, pois o próprio Jesus nos abriu as portas do santuário, como nosso sumo sacerdote. Aliás, ele mesmo é a porta, caminho, verdade e vida. Único caminho para o Pai. Por conseguinte, somos herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, contanto que soframos com ele, para que também com ele sejamos glorificados(Rom 8,17).
Em seu nome somos audaciosos na fé uma vez que podemos crer que tudo que pedirmos na oração nos é concedido desde que oremos em conformidade com o Espírito Santo, pois nada é impossível ao que crê(Mc 9,23). O nome de Jesus está acima de todos os nomes, e diante dele se dobra todo joelho no céu na terra e nos infernos. E toda língua confessa, para a glória do Pai que ele é o Senhor(Fl 2,9-11). A ele tudo se submete. Dele, por ele e para ele são todas as coisas(Rm11,36). É ele o Dominador(Ap 1,8). A ele se dirige o nosso coração.
O Catecismo da Igreja distingue algumas formas da oração a saber, a bendição, a adoração, a súplica, a intercessão, a ação de graças e o louvor.
Bendizer, é dizer-bem daquele que é a fonte de todo bem, de toda a benção, e sendo fonte de benção nos abençoa. A bendição é a resposta do homem aos dons de Deus(CIC 2626).
Adoramos a Deus quando reconhecemos a nossa pequenez diante da grandeza do criador, sua onipotência, onisciência e onipresença. E, prostrado, o coração se derrama humildemente na presença de seu Rei e Senhor.
Suplicar é pedir, reclamar, chamar com insistência, invocar, clamar, gritar e mesmo lutar na oração(CIC 2629). O pedido de perdão é o primeiro movimento da oração de súplica e a condição prévia da liturgia eucarística, como da oração pessoal(CIC 2631) . Existe uma hierarquia nos pedidos: primeiro o Reino, depois o que é necessário para sua vinda (CIC2632). Devemos, contudo saber pedir bem para que sejamos atendidos em nossas súplicas.
A intercessão é a oração de súplica em favor de um outro. Brota, sem dúvida do amor ao próximo, de um coração que está em consonância com a misericórdia de Deus. É a expressão da comunhão dos santos(CIC 2635).
A ação de graças é a consagração de tudo que vivemos, desde a alegria ao sofrimento, dos acontecimentos às necessidades, tudo é motivo para dar graças. É uma forma de devolver a Deus todas as coisas. É também a manifestação da gratidão diante das graças recebidas. É agradecer por aquilo que ele fez, está fazendo ou vai fazer.
O louvor é a forma de oração que reconhece o mais imediatamente possível que Deus é Deus! Canta-o pelo que ele mesmo é, dá-lhe glória, mais do que ele faz, por aquilo que ele é(CIC 2639).
Na Eucaristia podemos expressar todas estas formas de oração. Por isso ela constitui-se para nós um momento sublime de encontro e comunhão com o Senhor. Nela encontramos a fonte e o fim de nossa oração.
A oração é o encontro pessoal com o Senhor com o qual falamos intimamente e escutamos como discípulos os seus ensinamentos. Em seu amor ele nos transforma e nos molda como um vaso nas mãos do oleiro. Jesus atraía as multidões com sua palavra e seus sinais, mas o encontro decisivo era sempre pessoal, quando ele olhava nos olhos, falava ao coração que abrasava em sua presença. Foi assim com Nicodemos(Jo 3,1-21), Zaqueu(Lc 19,1-9), a samaritana(Jo 4,1-42) cada um dos discípulos(Jo 1, 35-51), mesmo depois da ascensão, com Saulo(At 9,1-9).
É o encontro do primeiro amor, e para que ele não arrefeça deve se renovar a cada dia, pois nossa alma, como terra árida e sequiosa, sem água tem sede de Deus (Sl 62,2). A oração é, para a vida da alma, como o ar e o alimento para a vida do corpo. Experimente ficar alguns segundos sem ar ou um dia sem alimento! A oração é a vida do coração novo e ela deve nos animar a cada momento(CIC 2697). É preciso lembrar de Deus com mais freqüência do que se respira.

quarta-feira, 20 de outubro de 2004

A oração de Israel

Lectio: Ester 14, 1-19 ou 4, 17m-17kk (vulg.)

A oração da rainha Ester manifesta a forma clássica de oração do povo de Israel encontrada, sobretudo, no livro dos salmos.
A primeira parte é um apelo ao passado. Quando o israelita clama pelo “Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó”, ele não apenas relembra os seus feitos, mas requisita para si a aliança contraída entre eles e Deus em favor de todo o povo. Assim o fiel recorda que é parte do povo da aliança e, nesta situação “confortável”, dirige-se confiante ao Deus a quem pertence.
Em seguida procede-se a anamnese, ou seja, o fiel “relembra” a Deus todos os seus feitos passados como um justo precedente para agir também no presente. Obviamente esta lembrança serve, não para Deus, mas para própria pessoa que ora, que, lembrando das façanhas dos antepassados, graças ao auxilio do Senhor, fortalece a confiança de sua alma e a prepara para fazer sua prece.
Outro elemento de fundamental importância para a eficácia da prece era, para o povo Israel, os méritos do fiel orante, como uma prerrogativa para falar com Deus e alcançar o que se pretende. Por isso, a sua terceira estratégia nesta forma de oração é falar da própria retidão e pureza. É como dizer ao Senhor: “fiz minha parte e espero que faças a tua”.
Por último o crente contrapõe a sua fé e equidade à descrença e iniquidade dos seus algozes. O inimigo do povo de Deus é, por conseguinte, inimigo direto do próprio Deus. Desta forma, quem ora reforça o pedido para que o Senhor se posicione ao lado daqueles que lhe pertence, destruindo os seus detratores.

Tudo está contido na Oração do Senhor

A oração do “Pai-Nosso” ensinada por Jesus aos seus discípulos, é muito mais que uma fórmula a ser decorada e repetida a esmo. É, para Santo Agostinho, o resumo de toda a Escritura, uma vez que, “se percorrermos todas as palavras das santas preces, nada encontraremos que não esteja contido nesta oração do Senhor ou que ela não encerre”, de modo que as suas palavras devem pertencer à nossa vida e não somente aos nossos lábios.

terça-feira, 19 de outubro de 2004

O perigo dos privilégios

Lectio: Ester 4, 1-17

A rainha Ester estava diante de um momento aterrador. O povo judeu estava condenado ao extermínio. Ela era a única que tinha a possibilidade de salvá-los. Mardoqueu implorou por sua intercessão. Mas houve algo que Ester temeu mais que o extermínio de seu povo: A reprovação do rei. Uma possível pena de morte.
Esta situação amordaçante acomete-nos também hoje, quando nossos privilégios mesmo ínfimos nos impedem de buscar a justiça, de falar em favor dos oprimidos e marginalizados. Quando tememos perder o respeito ou consideração daqueles que julgamos importantes, ferir nossa reputação, perder o cargo ou a promoção.
Entrementes, o conselho do sábio é “abre tua boca em favor do mudo, pela causa de todos os abandonados; abre tua boca para pronunciar sentenças justas; faze justiça ao aflito e ao indigente.”(Prov 31,8-9)
Mardoqueu insistiu:
Não imagines que, por estares no palácio, serás a única a escapar dentre os judeus. Pelo contrário, se te obstinares a calar agora, de outro lugar se levantará para os judeus a salvação e a libertação, mas tu e a casa de teu pai perecereis.
Quando nos conformamos com nossa posição, nos sentido confortáveis diante de tantas práticas abomináveis, corremos o risco de nos tornarmos vítimas do mal que receamos combater. É o preço de lavar as mãos e achar que não há mal nenhum nisso. Pilatos foi tão responsável pela condenação de Cristo quanto os judeus que o acusavam.
Aquele que é sábio usa os privilégios que tem para a prática do bem e não em favor de interesses egoístas. Ë isso que alerta Mardoqueu a Ester: “quem sabe se não terá sido em previsão de uma circunstância como esta que foste elevada à realeza?”
Ester atendeu aos apelos do santo homem dispondo-se a cumprir sua missão. Quanto a nós, deixemo-nos convencer por esta palavra.

A oração do Senhor

Da carta a proba, de Santo Agostinho, bispo

Quando dizemos: Santificado seja o teu nome, exortamo-nos a desejar que seu nome, imutavelmente santo, seja também considerado santo pelos homens, isto é, não desprezado. O que é de proveito para os homens, não para Deus.
E ao dizermos: Venha teu reino que, queiramos ou não, virá sem falta, acendemos o desejo deste reino; que venha para nós e nele mereçamos reinar.
Ao dizermos: Faça se a tua vontade assim na terra como no céu, pedimos-lhe conceder-nos esta obediência de sorte que se faça em nós sua vontade do mesmo modo que é feita no céu por seus anjos.
Dizemos: O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. Pela palavra hoje se entende este nosso tempo. Ou, com a menção da parte principal, indicando o todo pela palavra pão, pedimos aquilo que nops basta. O sacramento dos fiéis, necessário agora, não, porém, para a felicidade deste tempo, mas para a felicidade eterna.
Dizendo: Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos a nossos devedores, tomamos consciência do que pedimos e do que temos de fazer para merecer obtê-lo.
Ao dizer: Não nos deixes cair em tentação, advertimo-nos a pedir que não aconteça que, privados de seu auxílio em alguma tentaçào, iludidos, consistamos nela, ou cedamos perturbados.
Dizer: Livra-nos do mal nos leva a pensar que ainda não estamos naquele Bem em que não padeceremos de mal algum. E este último pedido da oração do Senhor é tão amplo, que o cristão em qualquer tribulação em que se veja, por ele pode gemer, nele derramar lágrimas, daí começar, nele demorar-se, nele terminar a oração. (Liturgia das horas Vol. III pp. 360-362)